O intuito de analisar a série Amor em 04 atos, mesmo sendo uma serie de capítulos fechados, se deve a um fator muito simples. Eu adoraria adaptar uma música. Acho sensacional a idéia. O sentimento posto em uma música, uma boa música claro, longe do padrão musical comercial que vemos hoje no Brasil, é sempre um desafio de transpor para ao meio audiovisual, e isso me fascina.
A série passou no mês de Janeiro, já agora em 2011. Com isso faço um grande pulo temporal aqui no blog, entre as séries que analiso. Como sou dado, e aprecio a falta de temporalidade dentro de uma narrativa, então será algo que ocorrerá com certa freqüência, creio que a próxima analise seja algo anterior a esta. Veremos. Visando dirimir dúvidas, observemos a diferença entre falta de temporalidade dentro da narrativa e temporalidade narrativa. O primeiro corresponde ao tempo como interpretamos, o nosso conceito de tempo contínuo, que dentro de uma narrativa pode ser visualizado de diversas formas. Desde o tempo real, onde cada segundo representa um segundo real dentro da narrativa, até o tempo invertido, que conforme avança a narrativa o tempo recua, como ex. Amnésia. Já a temporalidade narrativa consiste no tempo em que a narrativa é contada. Sendo mais uma ferramenta utilizada, que subdivide-se em outras ferramentas, como o flashback, a elipse temporal, o tempo inverso etc.
A série foi dividia em 04 episódios, contendo 03 estórias, já que os dois últimos episódios, Folhetim e Vitrines, são contínuos. Não vou me deleitar aqui sobre a obra homenageada de Chico, acredito que isso daria um post inteiro, principalmente tendo em vista que a atualidade da música brasileira, por ora basta apenas dizer que sou fã de algumas músicas suas, não todas.
O conjunto da obra ficou muito bom, belo e bem escrito. Lógico há sempre algumas melhorias. Mas creio que fora utilizado um bom grupo de roteiristas para fazer essa transposição entre as mídias. Sabendo que há sempre diferenças de interpretação de um roteirista para outro, tentarei aqui falar apenas das ferramentas narrativas. A intenção de construir obras distintas, tendo com único vínculo a origem, trás facilidades, contudo reduz possibilidades e perspectivas.
Acredito ser esse o meu único porém a série como um todo. Gostaria de ver uma obra mais orgânica, moldada em uma única estória, mas com perspectivas e pontos de vistas diferenciados, trazendo assim as músicas à vida. Com as estórias se cruzando em um mesmo universo, porém sem interferências entre elas, ou com, dependendo do interesse narrativo.
Ente os episódios, o primeiro acho que foi o mais simplório. A utilização de uma narração em off, deixou muito didático, tirando possibilidade interpretativa do espectador. A narração em off é uma ferramenta muito delicada, grande parte dos atuais gurus de roteiros sempre dizem para não utilizá-la. Por sua delicadeza é muito mais fácil, erra abruptamente do que acertar, no episódio foi utilizada de forma inadequada.
Para melhor entendermos, devemos então entender para que serve uma ferramenta narrativa. Serve para trazer ao espectador a estória a tona, seja ela mostrada, contada, ou insinuada. Entretanto se a estória já está sendo mostrada, não há necessidade de que ela seja contada. Ou seja, se você mostra um personagem se levantando, não tem necessidade de entrar uma narração dizendo;
- Agora eu me levanto.
É redundante, além de obvio. Sua utilização então, se presta melhor a seguir um caminho diferente das imagens mostradas, trazendo ao espectador uma informação diversa da que ele já tem. Assim na mesma cena do rapaz levantando, uma narração que complemente a informação de conhecimento sobre ele, ou algo diverso, dependendo do ponto narrativo em que se está. Como ex;
- Ai, que dor de cabeça, que ressaca!
Dor é algo que é muito difícil de mostrar, necessitando, um conjunto de cenas anteriores para que se possa compreender, logo se você necessita agilidade na apresentação dos seus personagens, a narração em off é uma boa ferramenta a utilizar, contanto que não seja de forma redundante.
Voltando ao episódio, teve uma final interessante, e de certo modo surpreendente, ao trazer uma pouco de metalinguagem.
O segundo episódio me pareceu dentro de um campo de conforto para alguns roteiristas globais, porém isso não chega a ser um demérito. O episódio, porém, traz um dos melhores conjuntos de diálogos de toda a série. Principalmente as cenas iniciais da briga do casal. Pegando carona neste fato, onde assuntos presentes e passados são sempre jogados a tona, cria-se ali toda a estória pregressa do casal e do perfil de cada um dos personagens principais. É com certeza uma lição e um exemplo para qualquer roteirista de como utilizar bem a ferramenta do diálogo.
Alias todo o episódio é bem elaborado narrativamente. As cenas e a tensão crescentes estão num tom perfeitos. É para mim o melhor episódio da série. Ao observamos como a construção psicológica dos personagens é desenvolvida, vê-se que todas as ferramentas narrativas, todos os diálogos, todos os personagens secundários, estão ali única e exclusivamente para dar andamento a essa estória, que envolve os dois protagonistas. Assim, todas as cenas tem o intuito de impulsionar isto, criando o ambiente conflitante necessário.
A última estória, composta nos dois últimos capítulos exemplifica aquela possibilidade que mencionei acima, sobre a estória ser um todo, contato em diferentes perspectivas. Confesso que Folhetim era para mim o episódio mais esperado.
Aqui entrarei também um pouco no conteúdo da estória. Algumas das melhores características do segundo episódio (Meu único defeito foi não saber ter amar melhor), a tensão crescente e a melhor exploração psicológica dos personagens, são o que faltam neste. Como exemplo, podemos trazer a personagem Selma (Camila Morgado), que entra e sai do episódio, sem muito propósito a não ser terminar a relação com o puritano Ary (Vladmir Brichita). Essa relação mostra exatamente o não aproveitamento de personagens e o não desenvolvimento narrativo deles. Ary é mostrado como um rapaz santo, quase padre. Tentando salvar seu casamento com uma doida, pois é como a personagem é personificada, sem motivos aparentes está em depressão e sem qualquer razão, pelo que conta a estória, acredita que Ary é infiel.
Quem já conviveu com alguém deprimido, sabe que há uma diferença muito grande entre alguém assim e alguém que perdeu o juízo. Geralmente a pessoa deprimida não tem amor próprio, com isso passa a desconfiar do outro, porém não é capaz de se desvencilhar da relação. Já a personagem Selma é mostrada mais como uma pessoa paranóica, que acredita em coisas que não aconteceram. Seria interessante então entender um pouco dessa dinâmica deles, as razões dessa desconfiança em cima de Ary e se ele é realmente tão santo quanto demonstra. Isso enriqueceria os personagens e traria sentido à personagem Selma. Outro ponto; em qualquer um dos casos, depressiva ou paranóica, uma pessoa dessas nunca se desvencilha tão rápido da outra. Dessa mesma forma outros personagens aparecem na trama, alguns com subtramas paralelas que nada acrescentam à principal.
Porém o maior defeito do episódio é a enorme oportunidade de rever, a canção. Não que eu creia que haja nada errado com ela, mas convenhamos que a época em que foi escrita e a realidade atual são divergentes. A canção não diz claramente que a moça é um prostituta, mas deixa a entender, um caso de interpretação. Hoje em dia, homens e mulheres estão mais igualitários no que diz respeito a relacionamentos furtivos. Historicamente confundir sexo com amor sempre foi uma característica feminina, aqui poderia ter sido feito uma brincadeira nesse sentido. Um bom rapaz, saído de um relacionamento longo, deparar-se com a realidade onde mulheres também saem à noite para caçar tanto quanto os homens, sem maiores apegos. Ele se vê perdido. Mas aqui estou eu entrando na questão de interpretação a qual mencionei antes.
O último episódio sofre da sequência do primeiro. A necessidade de humanizar a estória da prostituta e a resolução simplória do caso Selma enfraquecem o episódio. Com os personagens iguais mantém-se as mesmas fraquezas na evolução deles. A subtrama aqui ganha mais importância, chegando quase a eclipsar a principal, porém sua existência ainda carece de necessidade, pois nada acresce a trama principal. O episódio porém tem um final razoável e digno pelo que mostrou, sendo uma boa sequência para o primeiro.
Interessante analisar a forma como os episódios foram concebidos, pois a origem em comum desses episódios vem de uma pessoa que sempre prezou pela forma em sua narrativa, no caso musical. Creio que deveríamos seguir esse apreço também.
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