sábado, 5 de fevereiro de 2011

Analisando A Cura - 1a Parte.

 O seriado A Cura passou na Rede Globo de televisão entre setembro e outubro de 2010, ainda sim resolvi iniciar com ele, pois foi um dos primeiros seriados a querer seguir uma proposta diferenciada das ocorridas até então. Todos os seriados brasileiros seguiam um arco dramático que tinha inicio e fim no próprio episódio, sem uma evolução sistemática desse arco entre os episódios de uma temporada ou até mesmo entre as temporadas. De fato isto ainda é muito comum em séries no mundo todo, quem exponenciou o arco dramático através das temporadas foi Lost, antes disso já ocorria, mas sem tanto alarde. Desde então um turbilhão de séries passaram a seguir este caminho.
Pode-se alegar que algumas minisséries globais já traziam um arco dramático que abrangia todo o conjunto da obra, porém, há ai uma grande diferença, pois uma minissérie é um produto de reprodução diária, como novelas, ao contrário de seriados que passam semanalmente. Isto cria um tipo de acompanhamento diferenciado, o espectador do seriado precisa de uma atenção e um acompanhamento maior do mesmo, não obstante também é um espectador mais fiel, visto que a reprodução semanal auxilia neste fato. É também um espectador mais atento e mais exigente com o produto. A narrativa diferenciada da noveleira e a direção mais arrojada aproximam mais um seriado ao cinema do que da televisão. Aqui no Brasil entretanto, por utilizarem escritores habituados a televisão a fronteira dos seriados cruza com mais freqüência o campo da novela.
É interessante aqui fazermos uma pequena distinção, que poderá ser mais elaborada em um próximo post, sobre os tipos de narrativa mais adequados para cada uma. Todos esses citados são por definição produtos audiovisuais e como tal deve mostrar uma estória ao invés de contar. Esta afirmação aprece simples, porém na prática não é o que vemos. Nas novelas principalmente, os personagens falam mais os acontecimentos, do que o aparecimento deles em si. Como exemplos têm-se a máxima que em novela um personagem morre três vezes. Primeiro o assassino avisa que vai matá-lo, depois efetua o disparo, depois repete para si mesmo, ou para outrem, que o matou. Além dos personagens muletas-dramáticas, que são aqueles personagens que tem por função contar a estória a outros personagens, logo também ao espectador.
Isto ao contrário do que alguns podem está achando não é um demérito das novelas. Se levarmos em conta a narrativa longa, vários meses, e sua exibição diária, que pode impossibilita o acompanhamento de todos os capítulos da obra, fazem essas ferramentas necessárias, mesmo sendo pouco criativas.
Já no cinema o lema do mostrar ao invés de contar torna-se mais sólido. Tendo em vista sua reprodução média de duas horas, aliados a uma condição de atenção total a tela dentro de uma sala escura, cria uma imersão maior na trama, que é complementada pela a estória mais mostrada do que falada. Com a atenção do espectador voltada 100% para exibição, pode-se explorar mais as ferramentas narrativas.
Em um seriado fica-se no meio do caminho. Certas estórias requerem mais uma narrativa cinematográfica, outras mais noveleira. Como ocorre em tudo na vida, achar o ponto dessa equação para a estória é o segredo.
Todo esse prólogo foi necessário para dizer que a meu ver, foi justamente esse o erro de A Cura. Para me preservar do xiitismo que algumas séries causam em seus expectadores, faço aqui um adendo, ao dizer que houve erro no modo narrativo da série, não estou dizendo que ela foi ruim, mas que poderia ser bem melhor se a narrativa fosse mais trabalhada.
Comecemos então. A Cura se dispôs a querer ser a primeira séria de arco dramático de forma continuo da televisão. Ao criar uma estória de mistério tentou ser uma espécie de Lost brasileira. Foi de fato muito pretensiosa, o que é bom. Acho realmente que devemos ser pretensioso e mirar grandes objetivos, para tudo é necessário se preparar para isso, aqui sim acho que houve falha.
Ao nos contar a estória de Dimas, garoto do interior de Minas Gerais, que nasceu com um dom incomum, A Cura lança uma base para um realismo fantástico, o que é um campo excelente. E construiu uma base muito boa para isso em seus primeiros episódios, pena não ter conseguido se segurar nessa base ao final. Deixando várias pontas soltas. E aqueles que dizem que é uma estória com final aberto, digo que há uma enorme diferença em uma estória com final aberto e uma sem final.
Para tanto devo dizer o que é o conceito de um arco dramático; é o desenrolar da estória, é o caminho pelo qual o protagonista irá passar no decorrer dela. Independente de quantos atos tiver ou dos pontos de viradas, o arco é em si o desenrolar da estória é sobre ele que incide a força narrativa. Voltemos ao começo da séria para poder chegar a essa conclusão.
A estória de Dimas é excelente, é em suma uma jornada do herói. E há nela um monte de predicados para isto. O herói que enfrenta seus medos e anseios para ajudar os outros. Particularmente adoro esse tipo de estórias, há um campo grande de trabalhos narrativos nelas.
Encontramos Dimas quando este está regressando para sua cidade natal, Diamantina. Não tarda entendemos os motivos de sua partida e de seu regresso. E nos deparamos com o primeiro mistério em torno dele, a morte de seu amigo. Acusado de ter sido o assassino do garoto Dimas demonstra sentir culpa pelo ocorrido. Da mesma forma que a mãe do garoto assassinado mostra conservar um ódio enorme por ele, atenção a este fato, pois é um dos pontos que utilizaremos mais a frente.
A partir daí conhecemos o triangulo amoroso que se formará, como também os supostos antagonistas. Faça-se então a primeira base de trabalho, Dimas é um “estranho no ninho” em sua própria cidade. Rejeitado e temido por muitos. Ainda no ínicio conhecemos a estória paralela, que o autor resolve ter como seu grande plot para essa temporada. Iniciada assim a estória de Silvério e Ezequiel. Também entramos em contato com o personagem mais inútil de toda a trama, Nonoca. Travestida de alívio cômico da série, na verdade era uma muleta-narrativa para contar as histórias dos passados dos personagens.
Não sei se por tempo/valor de produção, ou de exibição. Mas fiquei com a sensação de que a trama era mais longa e foi encurtada. Vos digo o por quê.
A série tem boa sacadas visuais e boas construções das bases da estória, mas derrapa na fase final, no desenrolar dessa estória, utilizando recursos narrativos inadequados e sem necessidades, além de em muitos casos serem pouco criativos.
Como já dito anteriormente, temos a primeira demonstração disso na personagem da Nonoca, que tem o único intuito de contar as entrelinhas da estória e o passado dos personagens, além de dizer ao espectador qual o caminho que ele deve seguir. O que tira um pouco a graça da estória. Volta-se ao ponto da necessidade de contar a estória ao invés de mostrá-la. Isto é um recurso claro para auxiliar a desvendar situações. O que acaba criando em certos momentos um engodo. Como na cena do flashback de Wesley, onde cada fotograma do flashback é prontamente narrado pela muleta de plantão, vemos então o acontecer da cena e o narrar da cena, como se nós, enquanto espectadores, não conseguíssemos entender o que se passa. Isto acaba se repetindo corriqueiramente na série.
Porém de todos os deslizes da estória o fato de mentir para seu público, gerando assim a quebra de confiança entre um e outro, é sem dúvida, o grande demérito de toda a série. 
Vejamos, uma série de mistérios deve sim induzir seu público a acreditar que o caminho é um quando na verdade é outro. Mas induzir não quer dizer mentir. É como se fosse um labirinto escuro, e nós os roteiristas vamos conduzindo os espectadores através dele, pouco a pouco, mostrando uma luz aqui outra ali, um barulho, tudo que estiver em nosso alcance para fazer ele perceber onde é a saída. E ao final, ascendemos à luz para que ele veja tudo o que passou, claro que isso é opcional, eu não acenderia. Há nisso uma relação de confiança, o espectador confia em nós enquanto seu guia. O que aconteceria então se sem ele saber nós colocássemos vários espelhos dentro desse mesmo labirinto e ascendemos as luzes dos espelhos. Levando-os a colidirem com esses espelhos. Perderíamos sua confiança. É isso que a série faz.
Não vou aqui encher de perguntas para demonstrar as pontas soltas, para não ser acusado de estar falando de uma obra sem final, onde os mistérios ficaram para serem respondidos na próxima temporada. De antemão digo apenas que deixar um arco dramático em aberto é uma maneira, muito pouco criativa de criar mistérios. Mas demonstrarei, dentro do arco dramático posto na própria temporada como houve essa quebra.

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